O Crepúsculo da Direita

Escrito por Daniel Miorim de Morais

Editorial da Revista Soberania em Disputa

O Crepúsculo da Direita

O CREPÚSCULO DA DIREITA

Introdução

O 7 de Setembro de 2025 não se definirá pelo que foi, mas pelo que deixou de ser. No passado, mostrou-se uma data excepcional para demonstração de apoio popular, um momento para pôr o bonde na rua e demonstrar o tamanho do apoio de Jair Messias Bolsonaro. Hoje, a data se coloca como o mais agudo dos sintomas da desintegração política e da crise de representatividade no Brasil.

O esvaziamento de um símbolo que antes era capaz de catalisar um impulso avassalador, é produto de três forças: o embate jurídico da figura central que o liderou, a fragmentação da direita em tribos beligerantes e o desalinhamento com a geopolítica que deveria nortear a direita nesse momento.

A cena política desse dia da independência é de um confronto de dois blocos muito diversos. De um lado, atos da direita, visivelmente menos engajados do que já foram, são convocados não mais por Bolsonaro, mas por outras figuras como Silas Malafaia. A pauta é meramente defensiva: a anistia para os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 e para seu próprio líder.

Do outro lado do campo simbólico cultural, a esquerda, sob o governo Lula, tenta uma manobra para se apropriar da data. Com o mote da "soberania nacional", impulsionado por um embate com os Estados Unidos, os progressistas buscam "recuperar o verde e amarelo". O resultado é uma batalha que maioria da nação está somente olhando, e não participando, o que é o contrassenso do processo democrático.

A data tornou-se o palco de uma guerra de narrativas que não ecoa no homem comum, um feriado sequestrado por bolhas burocráticas que dialogam apenas consigo mesmas. Uma espécie de antecipação do confronto eleitoral que veremos em 2026, mas com requintes de crueldade.


Capítulo I — Quando a Nação Vestiu a Camisa da Seleção

2021 – O Grito da Ruptura

O 7 de Setembro de 2021 foi o ápice da capacidade de mobilização do bolsonarismo como força de contestação institucional.

Naquele dia, a Esplanada dos Ministérios em Brasília foi tomada por uma multidão que respondia a um chamado de seu presidente Jair Bolsonaro. A atmosfera era de confronto. Do alto de um trio elétrico, Bolsonaro proferiu um discurso que mirava o coração do sistema político, atacando o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e ameaçando descumprir decisões judiciais (“decisão ilegal não se cumpre”).

A mensagem era impossível de ignorar: o movimento tinha força popular para desafiar as regras da burocracia. Os atos continuariam. Na madrugada seguinte, caminhoneiros bolsonaristas bloquearam rodovias pelo país, convertendo o gesto simbólico de insubordinação em pressão econômica. Em algumas horas, Jair Bolsonaro divulgou um áudio pedindo o desbloqueio, “atrapalha a economia”, e Tarcísio de Freitas apareceu para atestar a autenticidade da gravação.

Dois dias após os atos, Michel Temer foi chamado a Brasília para pacificar a situação. Conversou com Bolsonaro, articulou um telefonema com Alexandre de Moraes e redigiu o texto que ficaria conhecido como “Carta do Temer”, oficialmente, a “Declaração à Nação”, divulgada em 9 de setembro. A peça tinha objetivo e destinatários: acalmar o STF e o Congresso, oferecer uma saída ao presidente e sinalizar ao público que a confrontação sairia das ruas. Estava marcado ali o centro da fórmula que desengajou a população: convocação seguida de recuo.

2022 – A Parada Eleitoral do Bicentenário

Um ano depois, no Bicentenário da Independência, o cenário era visualmente similar, mas conceitualmente distinto. O 7 de Setembro de 2022, em pleno ano eleitoral, foi transformado em uma grandiosa operação de marketing político, confundindo a celebração oficial com um comício de campanha. As imagens da Esplanada dos Ministérios e da orla de Copacabana mostravam uma aderência popular apenas um pouco inferior à de 2021, uma demonstração de que a base de apoio permanecia mobilizada, apesar da frustação.

O discurso de Bolsonaro foi um discurso republicano, nitidamente moderado. A população enxergava em Bolsonaro um certo recuo estratégico e uma proximidade demasiada profunda com figurões da velha política, em especial figuras do chamado Centrão e os ânimos pareciam mistos. Por um lado, todos estavam insatisfeitos com o Partido dos Trabalhadores, por outro falavam do que “deveria ser feito para evitar o PT” com certa amargura, como um peso a ser superado em prol do dia que essas figuras já não estariam na cena política.


Capítulo II — O Desmonte Jurídico e o Silêncio das Ruas

O Banco dos Réus e a Bolha que Não Estourou

O momento decisivo para o bolsonarismo e seus símbolos não foi a derrota nas urnas, mas o processo de desmonte jurídico de sua liderança.

Muitas das principais figuras bolsonaristas viram-se obrigadas a fugir para os EUA e a falar em plataformas alternativas, com evidente receio de uma prisão em algum dos inquéritos de Alexandre de Moraes ou mesmo a alternativa mais branda com desmonetização de suas redes sociais com cancelamento de patrocínios e eliminação de seus meios de ação.

O julgamento de Jair Bolsonaro no TSE, sob a acusação de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, para espalhar desinformação sobre o sistema eletrônico de votação, e atacar o Tribunal na tentativa de ter ganhos eleitorais, tornou-se um teste para a força do movimento.

A reação popular que a militância esperou não ocorreu. Análises de redes sociais durante o período revelaram um fenômeno crucial: apesar da intensidade do debate, ele "não furou a bolha". A discussão ficou contida entre os já convertidos.

Dentro dos grupos bolsonaristas, a narrativa de perseguição política predominou, com 68% das menções sendo contrárias à condenação. Para os opositores, o julgamento era a aplicação da lei. O público geral, no entanto, permaneceu distante, em grande parte devido ao tom "técnico" e ao "linguajar jurídico" do processo, que impediram a viralização e a criação de uma causa de comoção nacional.

O silêncio das ruas durante o julgamento provou que, fora da bolha, a maioria estava, de fato, silenciosa – mas por indiferença, não por concordância. Essa constatação desmoralizou a ideia de uma força popular, que era a arma simbólica do 7 de Setembro. Se as ruas não se levantaram em defesa do líder em seu momento mais crítico, a mobilização por uma data perdeu seu potencial de ameaça.

Muitas prisões associadas ao 8 de janeiro ocorreram em uma intensidade nunca antes vista em retaliação às manifestações, indicando que não havia cobertura política e jurídica para que o caso fosse tratado como todos os outros casos até ali de quebra-quebra, um ato de baderna com penas menores.

A prisão de Daniel Silveira e de Felipe G. Martins foram símbolos de que mesmo os mais conectados e fieis apoiadores de Bolsonaro não ficariam de fora da pressão judicial; e a morte de Clezão indicou que o sistema não se importava se as prisões resultavam em mortes.

O Futuro Político: De Leão a Cabo Eleitoral

Com a inelegibilidade sendo tratada como um fato por analistas políticos, o status de Jair Bolsonaro se transformou. Ele deixou de ser um candidato em potencial para se tornar o "principal eleitor" da direita, um ativo político cuja influência é estimada entre 20% e 25% dos votos.

Sua estratégia, consequentemente, tornou-se a de adiamento, evitando nomear um sucessor claro para 2026 a fim de manter sua centralidade e relevância política. Ele se converteu em um rei sem trono, cujo poder reside não mais na ameaça de tomar o poder, mas na capacidade de ungir um herdeiro, criando um vácuo que alimenta a disputa interna no campo conservador.


Capítulo III — O Trono Vazio e a Guerra dos Herdeiros

Pragmatismo vs. Cruzada: O Racha Tarcísio-Bolsonaro

Com a liderança de Bolsonaro neutralizada, a direita brasileira mergulhou em uma crise de sucessão. O epicentro dessa crise é o conflito entre o pragmatismo e liberalismo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e a cruzada ideológica da ala radical, representada por Eduardo Bolsonaro.

O embate em torno das tarifas impostas ao Brasil pelo governo de Donald Trump foi um exemplo disso. Tarcísio agiu como o gestor engravatado, buscando a pacificação e a negociação para proteger a economia de seu estado, enquanto Eduardo agiu como ideólogo, priorizando a aliança incondicional com Trump e a manutenção da energia do confronto.

Trocas de mensagens privadas, obtidas pela Polícia Federal, revelam a profunda desconfiança do clã Bolsonaro em relação a Tarcísio, visto pelo "bolsonarismo raiz" como "moderado demais". O temor é que a ascensão de um herdeiro com agenda própria não sirva para o combate aos avanços do judiciário.

Dois grupos se organizaram em torno desses diferentes líderes políticos.

O Olavismo Institucionalizado

Nesse grupo estão políticos com perfil muito similares ao do próprio Tarcísio (governador de SP, Republicanos) como Michelle Bolsonaro, Duda Lima, Deltan Dallagnol e Valdemar da Costa Neto, jovens parlamentares como Nikolas Ferreira (PL-MG) – que, apesar do estilo combativo, tem se aproximado de pautas de gestão –, lideranças regionais como Romeu Zema (MG), Ratinho Júnior (PR) e Ronaldo Caiado (GO), jornalistas como Paula Schmitt além de intelectuais e influenciadores ligados a uma direita moderada, como Ana Caroline Campagnolo, Flávio Morgenstern, Jeffrey Chiquini e Silvio Grimaldo (formadores de opinião próximos ao pensamento liberal-conservador mais estruturado) e o próprio partido Novo com Marcel Van Hattem e aliados liberais clássicos como Otávio Fakhoury.

A mensagem que enviam é a da eficiência e uma disputa de longo prazo para o cenário do país – buscam unir conservadores e liberais econômicos, acenando ao empresariado e à classe média produtiva com promessas de estabilidade, desenvolvimento e menos conflitos. A disputa geopolítica em curso é tratada praticamente de forma alegórica, raramente se posicionando no cenário maior.

Eles organizam eventos com grande apelo popular, como o "Ação Política Atlântico Sul", monetizam sua imagem através da venda de livros e cursos, e mantêm sua base engajada com pautas de costumes e guerra cultural. Esses novos atores capitalizam a base bolsonarista, mas o fazem construindo marcas pessoais que, em última análise, não dependem hierarquicamente do ex-presidente.

E embora a retórica dos olavistas e do próprio Nikolas Ferreira seja radicalmente anti-China, o braço pragmático desse grupo na figura dos ditos “governadores democráticos” intensificou a relação com o governo chinês sempre que pôde. Indicando que a cola que une esse grupo é basicamente o medo de desligar-se da luta de longo prazo se optarem pelo caminho radical que Eduardo Bolsonaro abriu ao iniciar o “tudo ou nada” com Moraes.

Eles têm consigo o problema inglês clássico. Se vencem com Tarcísio, correm o risco de ganhar as eleições sem conquistarem o poder, reinarem sem governarem, com a adesão direta de Tarcísio aos planos de perpetuação do poder das elites do centrão que encontram nas emendas parlamentares o passaporte para sua independência permanente, através da adesão a um semiparlamentarismo à brasileira.

O Pós-Liberalismo Brasileiro

Nesse grupo estão figuras como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e outros membros da família como o vereador Carlos Bolsonaro e o Senador Flávio Bolsonaro, o comentarista e articulador político Paulo Figueiredo, os jornalistas exilados Allan dos Santos (do portal Terça Livre) e Kim Paim, o antes secretário-executivo do Ministério das Comunicações e Chefe da Secretaria de Comunicação Social Fabio Wajngarten, o investidor Arthur Machado do canal 5° Elemento, o jornalista investigativo David Ágape e o economista Hélio Beltrão (o alinhamento deste último é completamente ideológico, sem união de intenções ou ações até onde se possa ver).

Um de seus traços centrais é que eles eram o grupo moderado do bolsonarismo até pouco tempo atrás. Buscavam conciliação com as forças do centrão e focavam em encontrar soluções com os poderes já organizados do establishment norteado em figuras como a do próprio Aldo Rebelo. Viam a influência americana na mão dos democratas como um trunfo injusto do PT, que tentavam contrapor com discursos sobre multipolaridade muito semelhantes àqueles que vinham do Kremlin.

A discrepância dos seus discursos em relação a ala dos exilados era tão significativa que figuras como Allan dos Santos enxergavam negativamente suas influências na direita como um todo. Mas isso iria mudar. Em determinado momento da trajetória desse grupo, eles mudaram de opinião sobre o cenário político. Seu diagnóstico era essencialmente o de que não havia mais caminhos institucionais clássicos e eles se converteram no grupo radical.

Tão radical que existe de forma praticamente alheia a estrutura típica do Partido Liberal (PL), com o principal exemplo sendo o partido ter se recusado a reembolsar o tratamento médico pago por Wajngarten a Jair Bolsonaro em uma situação de emergência. Eles são, no máximo, um grupo de pressão indesejado na visão das lideranças clássicas do PL.

Paradoxalmente, o grupo com menor capacidade de articulação interna é o que tem o maior trânsito junto ao governo americano. Com dezenas de declarações de Jason Miller, Marco Rubio, J. D. Vance e outras figuras da alta cúpula decisória do governo trumpista, incluindo o próprio Trump em apoio a Eduardo Bolsonaro.

Sua estratégia tem um problema a ser superado. Ao mesmo tempo que devem conciliar com as elites políticas e financeiras para uma eleição de Eduardo Bolsonaro, só poderão concorrer e se tornar um grupo político com chance de exercer o poder se estabelecerem uma ruptura radical com os agentes que formam a base de apoio de Alexandre de Moraes.

A Fragmentação da Direita

O que se observa é uma transição: a direita brasileira está deixando de ser um movimento populista-carismático e personalista, unificado pela figura de seu líder, para se tornar um ecossistema de nichos de mercado político. O poder antes centralizado em Bolsonaro se dissipou, e o vácuo foi preenchido por múltiplos atores com agendas distintas e conflitantes.

Tarcísio oferece governança, Eduardo oferece lealdade ideológica. Tarcísio é China, Centrão e Liberalismo, Bolsonaro é Estados Unidos, Militância e Nacionalismo. O 7 de Setembro, que funcionava como o grande evento de lançamento do "produto" unificado de Bolsonaro, perdeu sua função. Não há mais uma mensagem única ou um líder inconteste que possa unificar essas tribos.

A presença física de representantes dos dois grupos esconde o verdadeiro drama. Se a manifestação tomasse um tamanho expressivo o suficiente, o outro grupo sairia fortalecido dali. Tentar uma grande mobilização na data serviu apenas para expor publicamente a fratura do movimento. O esvaziamento, portanto, não é um acidente, mas uma consequência lógica e até estratégica dessa nova realidade fragmentada.


Capítulo IV — A Esquerda em Luta e a Direita Cansada

A Ofensiva do Verde e Amarelo: A Esquerda em Campo

Identificando o vácuo de poder simbólico deixado pela direita, o governo Lula e o PT lançaram uma ofensiva "ousada" para disputar os significados do 7 de Setembro. A estratégia se concentrou em se apropriar do tema da "soberania nacional", utilizando o conflito comercial com os Estados Unidos de Trump como um catalisador para "recuperar o verde e amarelo". A comunicação governamental adotou um novo slogan — "Governo do Brasil do lado dos brasileiros" — e convocou a militância para atos em todo o país, com o objetivo declarado de evitar o "sequestro da data por projetos autoritários".

Em vez de convocar sua base ao enfrentamento direto nas ruas, a esquerda governista investiu na comunicação institucional e setorial. Lula usou o pronunciamento oficial de 7/9 em rádio e TV para lançar o mote “Brasil Soberano” e enviar recados políticos tanto a adversários internos quanto externos (chegando a criticar, ainda que indiretamente, o “tarifaço” do governo Trump contra produtos brasileiros)

Apesar da mobilizar sua base, o presidente Lula manteve uma distância calculada dos atos de rua convocados por Guilherme Boulos (PSOL), restringindo sua participação ao desfile cívico-militar oficial em Brasília. A decisão reflete o medo de um fracasso retumbante que indica o quão minoritário é o apoio popular ao governo.

O clima político do dia: o que compõe a atmosfera de 7/9

No ano de 2025, o 7 setembro ocorre enquanto há importantes julgamentos em curso (o julgamento de Bolsonaro e aliados pelo STF, relacionados à suposta tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023), abusos de autoridade denunciados pela Vaza Toga na Comissão de Segurança Pública e as articulações para a sucessão presidencial de 2026 com a pré-candidatura de Zema e outros.

O Desengajamento do Julgamento

Paradoxalmente, o julgamento histórico de um ex-presidente da República – Jair Bolsonaro – teve impacto morno na opinião pública em geral. Bolsonaro enfrenta processos tanto na esfera eleitoral (que já o tornaram inelegível) quanto na criminal, com o caso mais dramático sendo a ação no STF relativa aos ataques de 8 de janeiro de 2023.

Em 2 de setembro de 2025, a Primeira Turma do STF iniciou o julgamento de Bolsonaro e outros sete réus acusados de tentativa violenta de abolir o estado de direito, organização criminosa, dano qualificado e outros delitos. Do ponto de vista jurídico-institucional, trata-se de um acontecimento gravíssimo e sem precedentes recentes – um ex-chefe de Estado sentado no banco dos réus por supostamente tentar subverter a ordem democrática. A relevância nos autos, porém, não se traduziu em mobilização social.

Métricas de interesse público sugerem fadiga informativa e atenção decrescente. As transmissões ao vivo do julgamento em cortes e nas emissoras especializadas não registraram picos excepcionais de audiência. Nas redes sociais, tópicos relacionados ao julgamento tiveram engajamento concentrado nos círculos politizados, sem “furar a bolha”.

Mesmo entre apoiadores de Bolsonaro, nota-se efeito de diminuição do impacto emocional – possivelmente um cansaço depois de tantos episódios jurídicos envolvendo o ex-presidente. Cada novo processo ou denúncia parece adicionar pouca novidade à narrativa para além do núcleo já convencido de sua inocência ou culpa. Assim, o julgamento correu risco de virar quase “mais um capítulo” na programação contínua do noticiário político, sem catalisar a atenção do público médio, mais preocupado com economia e vida cotidiana.

Um episódio ilustrativo dessa falta de tração popular foi o depoimento de Eduardo Tagliaferro no Senado, ocorrido na semana anterior ao 7 de Setembro. Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes no TSE, fez graves denúncias na Comissão de Segurança Pública do Senado, alegando fraudes processuais e manipulação de investigações dentro do Judiciário.

Parlamentares bolsonaristas celebraram o depoimento como uma “bomba” que desmascararia abusos de Moraes e até propuseram levar o caso a órgãos internacionais. Nas redes da direita, criou-se a expectativa de um novum factum que fosse capaz de abalar a credibilidade do STF e possivelmente até interferir no julgamento de Bolsonaro. Contudo, essa expectativa não se traduziu em repercussão ampla. Fora dos círculos engajados, o caso Tagliaferro mal foi notado.

Veículos da grande imprensa trataram-no de forma cautelosa ou com ceticismo – por exemplo, a CNN Brasil analisou que a oitiva de Tagliaferro não teria potencial para enfraquecer Moraes, lembrando que o ex-assessor está ele próprio indiciado por vazamento de informações sigilosas para desacreditar o ministro. Ou seja, a denúncia foi vista como parte da briga política, sem valor aos olhos do público mais amplo.

Na bolha bolsonarista, comentaristas chegaram a afirmar que as revelações de Tagliaferro “desviaram os holofotes” do julgamento no STF naquele momento, mas isso diz mais sobre a atenção relativa dentro do nicho de direita do que sobre o conjunto da sociedade.


Capítulo V — O Peso da Indecisão

Entre esses blocos há figuras híbridas e muita tensão. O que Jair Bolsonaro fez até agora? Tornou-se um vetor ambíguo, emitindo sinais cruzados que impedem uma definição clara de rumos. Ora apoiava pragmaticamente candidatos do Centrão (como fez em eleições do Congresso, desagradando puristas), ora voltava ao modo cercadinho de radicalização, subindo o tom quando se sentia acuado.

Essa ambiguidade mantinha ambos os lados orbitando ao redor dele: os pragmáticos precisavam de Bolsonaro pela massa de apoiadores que ele detém; os ideológicos precisavam dele como figura unificadora e mártir. Do ponto de vista tático, Bolsonaro colhia certa vantagem: preservava seu capital de árbitro interno, podendo pender para um lado ou outro conforme lhe conviesse.

Ele sabia que, se ungisse claramente Tarcísio (ou outro) como sucessor, perderia parte de sua centralidade; se, por outro lado, rompesse com os moderados e fosse ao embate extremo, poderia condenar o campo todo ao gueto político. Por isso seguia oscilando, ora acenando a Tarcísio (permitindo sua presença em palanques e negociando anistia por ele), ora segurando a rédea curta (lembrando que “não há plano B” e que ele, Bolsonaro, é o único líder, como reiterou o presidente do PL Valdemar Costa Neto).

Só que essa situação se tornou impraticável com a prisão precoce de Jair Bolsonaro por ordens de Alexandre de Moraes. Bolsonaro encontra-se numa posição difícil porque suas articulações são agora esporádicas e ele não pode corrigir suas falas ou trabalhar ativamente com os dois grupos. A guerra aberta começou e o resultado prático é que os dois grupos estão se articulando abertamente e mantendo apenas o mínimo de comunicação possível para as pautas comuns.

O debate público da direita degradou-se em uma espécie de primária informal dentro da direita, em que cada lado tenta provar seu valor ao eleitorado conservador, em vez de apresentar uma unidade básica de ação necessária para levantar manifestações como essa.

No fim, tanto o ato “grande” da direita quanto o ato “pequeno” da esquerda começaram mortos se considerarmos a missão de qualquer mobilização política: ampliar sua base de apoio ou obter concessões do sistema político. Nenhuma das frentes sairá claramente vitoriosa nesse sentido após o 7/9. E outro problema maior parece estar no horizonte: o desengajamento.


Capítulo VI — O Cercadinho Digital

Um fenômeno central para entender a política presente – no Brasil e fora – é a comunicação direta e diária de líderes com suas bases através de redes sociais e aparições públicas informais. No caso brasileiro, o símbolo máximo disso foi o “cercadinho” de Jair Bolsonaro: aquele espaço gradeado em frente ao Palácio da Alvorada onde, durante seu mandato, ele interagia toda manhã com apoiadores, fazendo declarações que imediatamente viravam manchetes.

Esse formato de proximidade encenada e de pauta diária criou um feedback loop poderosíssimo entre Bolsonaro e sua militância. Taticamente, os benefícios foram claros: a fidelização de uma base que se sente ouvida, o reforço de um ritmo constante de mobilização (todo dia havia um novo assunto ou provocação vinda do presidente) e a manutenção de Bolsonaro como figura central da agenda, driblando a intermediação da grande mídia. É o que muitos chamam de desintermediação da política – líderes falam direto com o povo (ou pelo menos com seu povo), pelo Facebook Live, pelo cercadinho filmado, pelo Twitter (hoje X), sem filtros.

No curto prazo, essa estratégia rende ganhos táticos notáveis. Bolsonaro, por exemplo, liderou o engajamento nas redes sociais entre políticos durante praticamente todo o período 2019-2022, superando adversários e pautando o debate em seus termos. Seus posts que mais bombaram envolviam essa tática informal, como vídeos no cercadinho ou tiradas polêmicas que viralizavam (mesmo negativamente, mantinham-no no centro).

A base desenvolveu uma relação quase afetiva, de fã-clube, aguardando as lives das quintas-feiras ou as saídas matinais do presidente para saber “qual será a próxima polêmica”. Essa centralidade proporcionou a Bolsonaro uma resiliência política – mesmo diante de crises (pandemia, escândalos) ele conseguia mobilizar um núcleo duro a seu favor instantaneamente nas redes e nas ruas.

Contudo, os custos estratégicos dessa dinâmica começarão a se revelar mais adiante. Ao habituar o público a consumir política como quem acompanha uma série episódica, o cercadinho e congêneres transformaram muitos cidadãos em meros espectadores torcedores, em vez de agentes participativos.

Em vez de partidos políticos estruturados ou movimentos com agendas claras, criou-se uma situação em que grande parte da mobilização se dava em torno de personalidade e performance diária. Pesquisadores apontam que isso pode levar à chamada “alienação funcional”: as pessoas sentem que estão participando (curtindo, comentando, aplaudindo na grade) quando na verdade estão terceirizando a ação política a um líder ou a pequenos grupos organizados.

Assim, surge uma espécie de divisão do trabalho social aplicada à política: uma minoria super engajada (os “especialistas” ou militantes profissionais, incluindo influencers) faz a política ativamente, enquanto a maioria da base atua como audiência reativa, consumindo conteúdo e expressando apoio passivo.

Desacostumados em fazer algo que não seja assistir vídeos, curtir postagens e subir hashtags, o tipo de apoio necessário para momentos mais sensíveis em que a organização é feita quase inteiramente por comandos gerais feitos em lives do Paulo Figueiredo é simplesmente ausente e a ausência de criticidade para escolher os influenciadores corretos faz com que qualquer um que diga com o mínimo de vontade “Fora Lula” seja capaz de pegar um pouco do engajamento bolsonarista para si.

Isso implica que o movimento bolsonarista está sendo mantido constantemente acordado, como os wokes (e talvez parcialmente em resposta a universal politização da vida privada deles), mas constantemente desarmado para os problemas mais fundamentais que precisam ser superados para exercer o poder, no exato momento em que o alinhamento aos Estados Unidos e a estabilidade institucional se tornaram mais importantes do que nunca.


Capítulo VII — O Jogo Americano

A importância dessa manifestação está diretamente relacionada a uma mudança geral da opinião dos Estados Unidos da América diante do Brasil que foi ocorrendo lenta, mas firmemente desde a instauração da nova república e promulgação da constituição de 1988.

Para entender o porquê essa manifestação era tão importante para o Brasil em geral e para a direita em particular, precisamos começar por voltar até muito antes da polarização atual. Já em 1998, o FBI e a CIA se preocupavam com atividades ilícitas no Brasil, um sinal do interesse estratégico americano em nossa estabilidade.

O primeiro abalo veio nos anos 2000: numa decisão geopolítica monumental, o governo Lula começou a se afastar comercialmente dos Estados Unidos para se alinhar à China. Para Washington, isso não foi apenas economia, foi uma declaração ideológica, início de um desacordo que abriria feridas profundas numa aliança histórica.

Essas feridas se aprofundaram quando o Brasil recusou cooperar na guerra ao terror após o 11 de setembro. Isso resultou em ser mais difícil tirar visto e entrar nos Estados Unidos para os brasileiros. Em 2005, a resistência de Lula à ALCA, vista como ferramenta de dominação, e a aproximação com o Foro de São Paulo, soaram todos os alarmes em Washington. Cada evento aumentava a desconfiança: negar a extradição do terrorista Cesare Battisti em 2010; Dilma cancelar uma visita de Estado em 2013, após espionagem pela NSA. As relações esfriaram, congelaram e começaram a rachar.

Enquanto isso, criaram um precedente. Em 2017, os EUA sancionaram juízes da Suprema Corte da Venezuela, criando o modelo legal que, anos depois, usaram contra o Brasil.

O período de 2019 a 2022 foi o estopim. As tensões explodiram em um confronto aberto. Vimos os primeiros atos de "repressão transnacional": autoridades brasileiras usaram a Interpol para deter um crítico do governo em solo americano. A própria política interna foi exportada como arma, os partidos buscaram sanções internacionais contra o governo vigente.

Por exemplo, em 2019, Paulo Figueiredo, jornalista brasileiro e residente legal nos EUA, teve seu visto cancelado e foi detido por 17 dias pelo serviço de imigração americano, após autoridades brasileiras o incluírem na lista vermelha da Interpol por um caso altamente politizado que, mais tarde, foi arquivado no Brasil por falta de provas. Era o Brasil usando mecanismos internacionais para atingir um crítico em solo americano.

Também o Partido dos Trabalhadores atuava internacionalmente promovendo sanções contra o governo Bolsonaro, usavam como argumento as queimadas na Amazônia.

Oficialmente, a USAID injetou milhões para projetos sociais e “combate à desinformação”. Contudo, uma tese aponta que o dinheiro financiou uma máquina de censura. Em colaboração com instituições brasileiras, essa máquina influenciou a disputa eleitoral. A interferência foi tamanha que o ex-vice-presidente Mike Pence declarou: sem ela, o resultado da eleição teria sido outro. No Brasil, montava-se um “complexo industrial da censura”, com financiamento externo e apoio democrata

Em contrapartida, o governo americano se negou a extraditar o jornalista Allan dos Santos, exilado nos EUA. A justificativa dada pelos americanos foi um golpe na credibilidade das acusações brasileiras: para eles, os supostos crimes eram "só palavras" e não eram crime nos Estados Unidos. A recusa reforçou a impressão de haver uma perseguição política no Brasil, daí colocando o país na lista de "estados de exceção", até mesmo num governo democrata.

As ações do judiciário brasileiro também chamavam atenção. Ordens de bloqueio de perfis em redes sociais, emitidas pelo Ministro Alexandre de Moraes, tinham alcance global. O X (antigo Twitter) e o Facebook cumpriram as ordens, mas a medida foi vista internacionalmente como uma grave violação da liberdade de expressão e da soberania de outros países.

Moraes expandiu seu alcance para além das fronteiras, ordenando o bloqueio de perfis globalmente, uma violação direta da soberania de outros países e um desafio aberto aos princípios de liberdade de expressão, caros aos Estados Unidos. O furacão havia chegado.

O ano de 2023 marcou o início da avalanche. Com o novo governo, o Brasil se alinhou abertamente a regimes antiocidentais: China, Irã e Rússia. Deu boas-vindas a navios de guerra iranianos, defendeu os terroristas do Hamas e trabalhou ativamente contra a hegemonia do dólar. Para os EUA, o Brasil, gradualmente, tornou-se um adversário geopolítico.

Internamente, a prisão em massa de cerca de 1500 participantes dos atos de 8 de janeiro chocou observadores internacionais e fortaleceu a formação de uma “bancada antimoraes” nos EUA. A mídia global, que antes apoiava o judiciário brasileiro em nome da “defesa da democracia”, mudou totalmente o tom.

Jornais e revistas americanos consolidaram uma dessas mudanças. A revista The Economist estampou a foto de Alexandre de Moraes numa capa com o título "O Juiz que Governaria a Internet", criticando seu poder excessivo. Já o Financial Times questionou a imparcialidade do STF. O índice de democracia da própria The Economist mostrou a queda do Brasil, afirmando que “a censura ultrapassou os limites do que pode ser considerado restrições razoáveis à liberdade de expressão”.

Então, como repercussão da situação política do Brasil, vieram respostas legais e diplomáticas diretas. Por exemplo, em maio de 2025, o Departamento de Justiça dos EUA enviou uma carta a Moraes, avisando que suas ordens judiciais não se aplicavam aos Estados Unidos e que ele não tinha jurisdição para silenciar cidadãos ou empresas americanas. Pouco depois, uma juíza federal americana decidiu que empresas como a Rumble não eram obrigadas a cumprir as ordens de Moraes, afirmando que o ministro intimidou as empresas de forma irregular.

Após ignorar os sinais diplomáticos dados pelos americanos, a condenação pública se intensificou. JD Vance, vice-presidente dos EUA, criticou em um fórum global as ações de "tribunais cancelando eleições". Brendan Carr, um comissário da FCC, o órgão que regula as comunicações nos EUA, enviou uma carta à Anatel criticando o banimento do X (antigo Twitter), alertando que as empresas americanas cogitavam tratar o Brasil como um "mercado inviável".

A Resposta Americana

Foi então que as sanções começaram. Primeiro, o Departamento de Estado Americano anunciou uma nova política de restrição de vistos para autoridades estrangeiras envolvidas em censura, um recado direto a Moraes e seus aliados.

Em seguida, Christopher Landou, alto funcionário do Departamento de Estado Americano, criticou publicamente “um único juiz” por “usurpar o poder” no Brasil. A Embaixada dos EUA em Brasília publicou a declaração. Enquanto isso, o deputado Eduardo Bolsonaro intensificava seu lobby em Washington, pedindo a aplicação da Lei Global Magnitsky, usada para punir violadores de direitos humanos em todo o mundo, contra Moraes, classificando-as como o “remédio correto contra esse vírus”.

Chegamos então na escalada final. Em julho de 2025, Donald Trump impôs uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, chamando-a explicitamente de “Tarifa Moraes”. Ele deixou claro: o objetivo não era comercial, mas político, uma retaliação à crise institucional, à perseguição política e à censura no Brasil. Foi uma medida econômica sem precedentes.

Dias depois, o Departamento do Tesouro dos EUA sancionou o Ministro Alexandre de Moraes sob a lei Magnitsky. A acusação: “graves abusos de direitos humanos”, incluindo “detenções arbitrárias e supressão da liberdade de expressão”. O resultado: todos os bens de Moraes sob controle americano foram bloqueados, qualquer cidadão ou empresa americana está proibida de fazer negócios com ele. Foi um aviso claro para todo o sistema de justiça brasileiro.

A partir daí, as condenações se tornaram um massacre diplomático. O relatório anual de direitos humanos dos EUA citou o Brasil e Moraes nominalmente. Um subsecretário de Estado Americano descreveu Moraes como o “coração pulsante da perseguição”. O Comando Sul das Forças Armadas dos EUA emitiu uma nota condenando as ações de Moraes e ameaçou responsabilizar quem colaborasse com ele. A cooperação militar entre os dois países foi suspensa.

O Departamento de Estado passou a chamar Moraes de “tóxico” para negócios legítimos. Para completar o cerco, quando Moraes ameaçou punir bancos brasileiros que cumprissem as sanções americanas, a Embaixada dos EUA em Brasília reagiu publicamente, chamando as declarações do ministro de “fundamentalmente equivocadas” e de formarem um “padrão preocupante de abuso de poder”.

O alinhamento político contra o Ocidente, violações de direitos humanos e a repressão transnacional, somado às autoridades brasileiras ignorarem todos os avisos diplomáticos, transformaram a imagem do Brasil: de principal aliado da América do Sul em inimigo declarado.


Capítulo VIII — As Consequências

O 7 de Setembro de 2025 sela, portanto, o fim de um ciclo. O esvaziamento das ruas não representa o fim do conservadorismo no Brasil, mas o encerramento de sua fase populista-carismática, unificada por um único líder. O que se observa agora é a transição de um movimento de contestação para um campo político em disputa, forçado a escolher entre dois projetos de poder distintos e talvez irreconciliáveis.

De um lado, a via institucional, representada por Tarcísio de Freitas e pelos governadores, que busca a conquista do poder através da moderação, da gestão eficiente e de alianças com o establishment político e econômico, incluindo o Centrão. O risco dessa via é a captura pelo sistema que prometeu combater, resultando em uma vitória eleitoral que não se traduz em poder real para executar as rupturas prometidas. É o caminho da normalização.

Do outro, a via rupturista, articulada por Eduardo Bolsonaro e alinhada à nova direita trumpista, que enxerga a crise institucional e as sanções americanas como a única janela de oportunidade para um confronto direto com o establishment judicial. A sobrevivência desse projeto depende da radicalização permanente e do apoio geopolítico externo, arriscando o isolamento interno e a incapacidade de construir uma coalizão governável. É o caminho do confronto.

Nesse cenário, as sanções impostas pelo Departamento do Tesouro americano contra o Ministro Alexandre de Moraes deixam de ser um evento externo para se tornarem a variável central da equação política brasileira. Elas funcionam como um catalisador que acelera a fratura da direita, forçando cada ator a se posicionar. A neutralidade deixou de ser uma opção.

Assim, o desafio para o campo conservador transitou da tática de mobilização para a grande estratégia de poder. A questão definidora para os próximos anos não será quem consegue levar mais gente à rua em um feriado, mas qual desses dois projetos antagônicos demonstrará ter a viabilidade, a inteligência e a força para se impor, herdar o espólio do bolsonarismo e, finalmente, governar o Brasil.